PISO DE PROFESSOR É ÚLTIMO IMPASSE DO MINISTRO
Há resistências de estados e municípios contra reajuste de 22%
Sob pressão de governadores e prefeitos, o Ministério da Educação (MEC) ainda não anunciou o novo valor do piso salarial nacional dos professores da rede pública, que entra em vigor neste mês.
O reajuste enfrenta forte resistência de estados e municípios, que são contrários ao aumento de 22% previsto em lei e que elevará o piso nacional para R$1.450 mensais. Às vésperas de deixar o MEC para disputar a prefeitura de São Paulo, o ministro Fernando Haddad reuniu-se ontem com a presidente Dilma Rousseff em busca de uma saída.
O encontro no Planalto durou cerca de três horas e terminou sem anúncio oficial. Mas quem acompanhou a reunião diz que tudo caminha para que a atual fórmula de reajuste seja seguida, o que significará um aumento de 22%. Neste caso, o índice deverá ser anunciado nos próximos dias por Haddad. Ele deverá deixar o governo na segunda quinzena de janeiro.
O governo federal faz a interpretação da lei, e aponta o valor a ser adotado como piso nacional, mas cabe aos estados e municípios decidirem o índice do reajuste. A demora do MEC em anunciar um aumento previsto em lei é reveladora da resistência de estados e municípios.
A lei que instituiu o piso nacional dos professores do ensino básico prevê reajustes anuais, sempre em janeiro, com base na variação do valor mínimo por aluno do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Ocorre que, em 2008, o próprio governo enviou projeto de lei ao Congresso propondo mudar a fórmula.
O projeto atendia ao pleito dos estados e substituía o valor por aluno do Fundeb pela inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que registrou elevação de 6,08% em 2011. Essa proposta esteve a ponto de ser aprovada em dezembro. Se isso tivesse acontecido, o aumento do piso seria de 6,08%.
Fonte: O Globo (RJ)
CURRÍCULO NACIONAL ÚNICO PRECISA DRIBLAR INCERTEZAS
Apesar do otimismo com a proposta, dúvidas sobre como e quem fará a escolha dos conteúdos são as principais preocupações de especialistas
O plano do Ministério da Educação (MEC) de elaborar um currículo nacional único para a Educação básica, anunciado no mês passado, despertou reações diversas por parte de pesquisadores e profissionais da área.
Em geral, a iniciativa é recebida com otimismo, mas o processo pelo qual esse currículo será definido e os mecanismos para torná-lo efetivo causam dúvidas e preocupações.
O Brasil já possui orientações para uma base curricular comum, mas os especialistas são unânimes ao afirmar que os documentos existentes são genéricos demais, causando uma grande variação nos conteúdos ensinados aos alunos em todo o país.
Nos últimos anos, o mais próximo ao que se chegou do atual plano foram os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), criados em 1996, obrigatórios à rede pública e opcionais às escolas particulares. Suas diretrizes foram refeitas várias vezes, mas ainda assim não chegaram a indicar conteúdos.
“Eles falam de princípios, de áreas, mas são realmente muito gerais e não delimitam um mínimo a ser trabalhado”, afirma a coordenadora do curso de Pedagogia nas Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil), Paulla Helena de Carvalho.
Modelo australiano é debatido no Brasil
Depois de dois anos de debates, a Austrália, país de extensão territorial semelhante à do Brasil e que também tem um sistema federativo, está na fase de implantação de um currículo nacional.
No final de novembro, Barry McGaw, uma das principais autoridades australianas na condução do processo por lá, esteve no Brasil para discutir o tema da unificação curricular junto a secretária de Educação Básica do Ministério da Educação(MEC), Maria do Pillar Lacerda. Os dois estiveram presentes em um evento promovido pela Fundação Itaú Social.
Em 2008, os australianos criaram um conselho que reúne ministros de várias áreas para tratar especificamente do currículo nacional. Com o objetivo de não centralizar demais as decisões, foi definido que a presidência da entidade seria rotativa, de forma que até o ministro da Educação só a ocupa a cada nove anos.
Nos debates, optou-se por uma implantação curricular gradual, que teve início em 2011. As primeiras disciplinas a terem seus currículos unificados foram Inglês, Matemática, Ciências e História. Até 2013, outras matérias passarão pelo mesmo processo.
Divulgação
A divulgação desse currículo tornou-se prioridade. Foi criado um site dedicado especialmente à exposição e explicação de todo o conteúdo indicado, devidamente organizado por séries, com vasto material de apoio ao professor, incluindo exemplos de trabalhos escolares, recursos audiovisuais e um fórum onde os professores podem se comunicar (www.australiancurriculum.edu.au/)., explica McGaw.
Questionada sobre a viabilidade do modelo australiano no Brasil, a secretária Maria do Pillar elogiou as propostas, mas preferiu não se comprometer. “Há muito em que podemos nos inspirar. Há passos parecidos com o que pretendemos fazer, mas há também muitas diferenças históricas e culturais.”
Exames
Sem um norte comum, as redes estaduais, municipais e privada vêm definindo com plena autonomia os tópicos a serem trabalhados nas disciplinas de Português, Matemática e Ciências, por exemplo.
Mas o que parece ser um aspecto positivo de respeito à diversidade nacional tem consequências ruins aos estudantes, especialmente aos que participam de testes como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e a Prova Brasil, nos quais são cobrados conteúdos que muitos alunos não chegaram a estudar.
“Esse é o lado bom da unificação curricular. Se os conteúdos forem obrigatórios para todos, as escolas não serão pegas de surpresa e os alunos não serão prejudicados”, comenta Paulla.
Para a professora, as principais questões nessa discussão são como os conteúdos ou as expectativas de aprendizagem serão definidos e quem será responsável por isso. “Na época dos PCNs, as ideias vieram prontas, faltou debate. Uma unificação curricular exige a participação de toda a sociedade, nem que seja de forma representativa”, enfatiza.
Professores
Os estudantes não seriam os únicos diretamente atingidos pela unificação. Segundo a professora do curso de Pedagogia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Evelise Portilho, a formação dos docentes precisa ser rediscutida. “O preparo dos nossos professores é bastante diferente de um estado para o outro e eles precisam ser formados com foco na aprendizagem dos alunos”, diz.
Ainda que não seja a orientação das redes de Educação pública, Evelise confirma que é frequente, na prática de muitos profissionais, a escolha do que será ensinado aos alunos com base no índice dos livros didáticos. Sobre isso, ela alerta para o problema: “A gente se pergunta até que ponto não são as editoras que estão definindo o conteúdo para as crianças”.
A secretária de Educação da cidade do Rio de Janeiro, Cláudia Costin, levanta outro problema. “Nossos concursos públicos exigem que os futuros professores saibam tudo sobre legislação e teorias da Educação, mas ignoram as habilidades necessárias à prática em sala de aula”, lamenta.
Para Cláudia, a única forma de qualquer nova diretriz funcionar de fato é persuadindo os profissionais de que determinado conteúdo é mesmo importante para os alunos. “Ninguém faz revolução na Educação sem os professores.”
Preferências locais e novos governos ampliam diferenças
Com a ausência de um currículo nacional, a prática de estados e municípios tem sido especificar gradualmente as expectativas de aprendizagem até chegar à sala de aula. A partir dos textos das diretrizes nacionais, cada estado cria as suas próprias metas e os municípios afunilam ainda mais esse processo, indicando os conteúdos ou delegando à escola essa tarefa. Como reflexo, os currículos ficam bastante diferentes.
A rede municipal de Curitiba, por exemplo, optou por princípios norteadores bastante específicos, como Educação para o Desenvolvimento Sustentável, Educação pela Filosofia ou Gestão Democrática, que teoricamente permeiam todas as disciplinas. Já a prefeitura do Rio de Janeiro prioriza a praticidade na apresentação de suas orientações curriculares.
Em vez de longos textos explicativos, usa tabelas com sugestões de atividades, habilidades que devem ser adquiridas e explicita os conteúdos a serem trabalhados. Em São Paulo, a divisão das expectativas de aprendizagem é feita por eixos como Natureza e Sociedade ou Artes eEducação Física.
Alternância
Outro fator que provoca mudanças curriculares importantes dentro de um mesmo município ou estado são as sucessões no poder. Nas três prefeituras mencionadas, os programas curriculares foram reformulados pelas atuais gestões ou por aliados de gestões anteriores. Na rede estadual do Paraná, por exemplo, as expectativas de aprendizagem foram todas refeitas logo que o atual grupo político – opositor ao anterior – assumiu a gestão.
Fonte: Gazeta do Povo (PR)